‘A importância de uma vida que não seja leve’ – Pelo Discípulo nº2 do Mestre Julio Camacho
Um dia, quando recebemos algo de alguém e não agradecemos, nossa mãe ou nosso pai nos perguntam: “O que se diz quando alguém nos dá algo?”. No entanto, em outra ocasião que você não vai lembrar, você fez alguma grosseria com um adulto de sua família ou não, e seu pai ou sua mãe provavelmente deu o seguinte comando: “Vá lá e peça ‘desculpa’ para o tio!”… Nesse dia, e pior ainda: sem saber. Você aprendeu uma coisa que mudaria sua vida para sempre: Tudo pode se resolver se você se desculpar.
Acontece que anos depois, você se depara com uma situação e mesmo se desculpando, não fica tudo bem. – “Ué?” – Pergunta aquele seu “eu” ainda infantilizado em seu inconsciente – “Mas a mamãe disse que se pedir desculpas tudo se resolve”. – Pronto! Agora você descobriu que esse pedido de desculpas pode ser mais elaborado para ser mais eficaz. Afinal, se ele for muito direto, pode ser que não seja aceito. E mais: Caso você perceba que seu pedido de desculpas, ainda que elaborado, não surtirá efeito. Você pode simplesmente sumir! Mas essa também é uma parte sua, que ainda acredita, mesmo na casa dos vinte, trinta ou quarenta anos. Que se taparmos nossos olhos com as mãos, podemos sumir como quando tínhamos dois ou três anos.
Quando falamos de “Kuen Faat” (拳法), tratamos de um termo tão abrangente que prefiro não tentar traduzi-lo, para que não limite seu escopo. Porém, posso dizer que ele também se refere a uma fase de um Sistema de Variação como o Ving Tsun, que se relaciona com o que chamamos de “mãos livres”. Mais precisamente o “Siu Nim Tau”, “Cham Kiu” e o “Biu Ji”.
Com o passar do tempo e com nossa experiência, percebemos em nós uma capacidade muito grande de fazermos reposições com as mãos, caso o primeiro movimento tenha sido infrutífero. Com o tempo, os mais incautos podem até mesmo abrir mão de serem precisos ou assertivos em suas ações Afinal, caso não tenhamos conseguido de primeira, repomos o movimento com a mão da retaguarda e assim vamos…
“…uma vida que não seja leve.”
Conversando com meu Si Fu sobre o tema, disse ele que o peso do bastão tem um papel fundamental num processo educativo do artista marcial. Segundo ele, o “Kuen Faat” (拳法) permite uma “correção fácil”, já o “Gwan Faat” (棍法) não permite uma “correção fácil”. – “… Com o ‘Gwan(棍)’ Thiago. Não é tão fácil mudar de ideia….” – Si Fu completou dizendo que este Domínio exige um alto nível de acurácia. – “Você percebe o quanto valorizamos a ‘leveza’?” – Me indagou Si Fu.
Eu nasci em um bairro chamado Rocha Miranda no subúrbio do Rio. Apesar do meu amor pelas artes marciais, caso não tivesse conhecido meu Si Fu, talvez tivesse uma vida bem diferente da que tenho hoje, pois usaria a escassez de oportunidades, ou uma mentalidade limitadora como desculpa para não ir além do que aquela realidade me propunha. Mas não adiantou conhecê-lo, sua paciência foi fundamental, para que eu conseguisse ver que o Ving Tsun poderia me dar uma habilidade muito especial, que era a de realizar os meus sonhos. Assim, 30 anos depois da primeira foto em Rocha Miranda, pude conhecer o local que serviu de inspiração para algumas localidades de uma de minhas séries de livros favoritos, na Cidade Velha de Varsóvia, na Polônia. Nunca havia estado tão longe de Rocha Miranda, e foi muito simbólico que estivesse ali com meu Si Fu.
Quando nossa vida é muito leve, podemos nos permitir não termos um sentimento de “precisão” em nossas ações, talvez façamos coisas das quais nos arrependamos ou que machuquem outras pessoas ou que causem um prejuízo a outrem. Acreditamos que poderemos corrigir facilmente nos desculpando. Mas, como meu Si Fu me disse, e se ao invés disso, assim como um bastão pesado que gera a impossibilidade de correção, tivéssemos uma vida que não fosse leve, e só mirássemos para acertar? Eu poderia dizer que essas palavras só podem ser compartilhadas aqui, porque eu nunca desisti. Porém, a verdade é que são graças ao meu Si Fu nunca ter desistido de mim.
Website Oficial: https://kungfumeier.com
Força e honra. Obrigado a todos.
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